Empresa familiar: Frutos do sucesso
De pai para filho e depois para neto. É essa a linha motriz que gere 75% das empresas no Brasil: o status de serem familiares. Mas apenas 4% sobrevivem à quarta geração. A empresa familiar é a que mais entra em falência por causa da má gestão e problemas com administração. Em Lajeado, organizações que estão nas mãos dos filhos conseguiram passar pelo processo sucessório sem maiores dificuldades e se mostram com saúde e dispostas diante da competição acelerada no mercado de trabalho. Os especialistas costumam dizer que empreendedorismo e conhecimento não são genéticos. É preciso planejar. Para governar uma empresa familiar é preciso saber administrar as relações afetivas e financeiras. Descendentes que assumiram a dianteira dos negócios no município mostram que estão fazendo bem a lição de casa e mantêm as rédeas da organização com a mesma destreza dos pais.
De acordo com o economista e professor da Univates Eloni Salvi, o Vale do Taquari é formado potencialmente por empresas familiares. Parte dessas organizações está na terceira geração, destronando as estatísticas que revelam que muitas sucumbem logo. São estabelecimentos que destoam do coro e da crença que ecoa no cenário empresarial, a ideia de “pai rico, filho nobre, neto pobre”. Mas o desafio da longevidade só pode ser levado adiante com a qualificação dos herdeiros. “Hoje, as empresas familiares adotam modelos mais rígidos de gestão, inclusive na escolha de quem vai comandar o negócio”, pontua Salvi.
Ele lista três elementos de conflito na sucessão familiar. O primeiro é decidir quem manda. O segundo é discernir como dividir os resultados da empresa (o salário de cada herdeiro). O terceiro é o número de descendentes, porque o capital tem que ser dividido entre muita gente. A organização que souber transcender esses pontos críticos robustece o empreendimento e maximiza os lucros. “O segredo de uma empresa familiar é harmonizar os interesses, principalmente os econômicos, do negócio, que são os que mais geram conflitos”, ressalta Salvi. No jogo da sucessão, não basta ser filho do patrão. Demonstrar competência é crucial. Por isso, muitos herdeiros se preocupam em estudar e buscar subsídios que possam agregar valor ao seu currículo. Para Salvi, há três qualidades das quais nenhum herdeiro pode abrir mão para tocar um negócio exitoso: ter competência, gosto pela atividade e conhecimento no ramo.
Sucessão familiar
O passa-passa familiar requer alguns cuidados segundo a gerente regional do Sebrae do Vale do Rio Pardo e Vale do Taquari, Liane Portantiolo Klein. “É preciso analisar uma série de fatores, dentre eles se o filho se interessa pelos negócios dos pais”, explica. Ela entende que a máxima para manter um negócio por gerações é identificação. “Não adianta que os pais queiram que a prole assuma a empresa. É fundamental vontade dos jovens”, ressalta. A participação dos mais novos também pode gerar conflitos entre as duas partes, mas segundo a profissional, varia conforme a personalidade dos progenitores. “Se o perfil do pai é aberto e fácil de adaptações, a passagem vai ser tranquila, por isso acredito que seja preciso fazer um planejamento na sucessão familiar”, acrescenta.
A participação dos filhos pode ainda vir com ganhos para os negócios. “Além de confiança, eles trazem novidades adquiridas na vida acadêmica, o que pode acarretar melhorias para a empresa. Ao estudar e ter vivências fora da empresa da família, isso reflete em uma considerável bagagem profissional”, diz. A preparação evita que o empreendimento passe por maus bocados e encerre as atividades.
História com sabor
Foi em um jantar, dias depois de seu aniversário, em 2002, que Aline Eggers Bagatini foi convidada pelo pai, Nelson Eggers, para atuar na Bebidas Fruki S.A. “Fui pega totalmente de surpresa. Ele me deu seis meses para me preparar para vir”, conta. Na época, Aline atuava como assessora de planejamento de uma grande empresa porto-alegrense, mas não teve dúvidas na hora da decisão. “A proposta era tão desafiadora”, justifica, com sorriso no rosto e brilho no olhar, quase que uma década depois da mudança. A única coisa de que tinha conhecimento até então era que ajudaria o pai na execução dos inúmeros projetos que ele tinha. Mal sabia ela que o que a esperava era a cadeira da direção. Aline faz parte da quarta geração da família a gerir o negócio e tem ciência de que as empresas costumam não resistir às trocas de gestão. “Muitos herdeiros têm ideias revolucionárias e acreditam, erroneamente, que os mais velhos não sabem nada. Assumem a administração despreparados e, com isso, destroem os sonhos dos fundadores”, critica. Não é o caso da Fruki. A empresa com foco no mercado gaúcho, conforme a diretora, duplicou o faturamento nos últimos cinco anos. O futuro, a depender do planejamento estratégico, é promissor: pretende-se a invasão do mercado catarinense, com a instalação de uma fábrica no estado vizinho. “Nosso grande desafio é continuar o trabalho que foi feito até hoje para a perpetuação da empresa, com competência, firmeza e consistência para continuar a obra”, declara Aline. Além dela, outros dois filhos de Nelson atuam na organização que teve origem no interior de Arroio do Meio, nas primeiras décadas do século passado: Júlio, como trainee, e Fabíola, como assessora da presidência.
Mão na graxa
Luis Henrique Comel (43) cresceu na oficina do pai, Luis Carlos. Observava como o chefe de família trabalhava e dava nova vida aos veículos. Foi ali, no estabelecimento localizado no Centro de Lajeado, que ele aprendeu a gostar da mecânica dos veículos e a desvendar o ronco dos motores. O irmão Luis Fernando, quatro anos mais novo, seguiu a mesma trilha. Com o cheiro da graxa entranhado no cotidiano, os irmãos cresceram e passaram a trabalhar na firma que o avô inaugurou em 1953, primeiro como oficina, depois como revenda de carros importados e então novamente como oficina. Nas mãos do pai dos ‘Luíses’, o estabelecimento se consolidou no mercado lajeadense e ganhou um nome glamourouso: centro automotivo especializado em direções hidráulicas. O processo de evolução se deu naturalmente, porque em oficina mecânica, com os sucessivos lançamentos de veículos, a atualização é importante e constante. Os três Luíses juntos – pai e filhos – identificaram-se não só pelo nome, mas também pelo ‘tino’ para os negócios mecânicos. O pai morreu há dois anos. Luis Henrique e Luis Fernando assumiram plenamente as funções, após a dissolução da sociedade entre pai e tio. “Logo depois de assinar os papéis, ele faleceu.”Os dois irmãos agora compartilham o comando em uma combinação harmônica. Cabe a Luis Fernando cuidar da parte burocrática, e a Luis Henrique, a responsabilidade pela assistência técnica. É ele quem suja as mãos de graxa. Longe da cadeira de chefe, prefere ficar na mesa de ferramentas, consertando direções hidráulicas. “É o que eu gosto de fazer. Detesto mexer na papelada.” O consenso entre os Coméis faz bem para a saúde da empresa, que conta hoje com 11 funcionários. O trabalho no centro automotivo é permanente. Em média, dez carros por dia vão parar ali para ser consertados. A empresa cresceu porque preza o trabalho de qualidade, um legado que passou de pai para filho e depois para neto. A clientela está espalhada pelos vales do Taquari e Rio Pardo. A oficina dos Coméis chega à terceira geração com o nome garantido no mercado, graças à disposição bem ordenada entre os filhos, que souberam delimitar as funções e tocar o negócio sem confrontos familiares.
Colhendo os frutos
As frutas plantadas na propriedade de Leonildo Degasperi (72), no interior de Marques de Souza, tinham compradores certos em Lajeado, na década de 1980. A bordo de uma Kombi, ele percorria o município de duas a três vezes por semana vendendo gêneros como maçãs, laranjas e bananas. Da grande procura pelos produtos surgiu a ideia de abrir o próprio negócio, que ganhou força com a intenção de um dos filhos de migrar para uma cidade maior. Tratava-se de Airton (46) que, ao lado do pai, abria as portas da Fruteira Degasperi, em uma garagem alugada, no Centro, em 1983. A expansão veio rapidamente: dois anos depois, os empreendedores adquiriram o estabelecimento ao lado, quadruplicando o espaço físico, que antes se resumia a 20 metros quadrados; na década seguinte, a Rua Bento Gonçalves tornou-se o endereço da Fruteira Degasperi, em vista da necessidade de ampliação. Mas não parou por aí. A cada migração dos outros filhos de Leonildo e Lourdes (69), uma nova fruteira era inaugurada: no Bairro São Cristóvão, em 1987, na vinda de Claudir; no Bairro Florestal, em 1991, por conta de Édson e Sílvia; e no município vizinho de Estrela, com Paulo (43). “Tudo sob a supervisão do pai e da mãe”, reforça Airton, que está à frente da Fruteira Degasperi do Centro e espera pela continuação do negócio familiar pelos filhos Eduardo (16) e Eric (13). Quanto à possibilidade de abertura de duas novas unidades, “espero que sim”, diverte-se.
Colhendo os frutos
A casa do empresário José Zagonel foi construída com dinheiro emprestado do pai e dos tios, em 1976. Na época, ele atuava no ramo da metalurgia e concretizava o sonho da casa própria nas horas livres à noite ou em fins de semana. O bom resultado fez com que, menos de um ano depois, um de seus colegas de república na época o contratasse para a execução de sua residência. Demonstrando visão de negócios e perseverança, o empresário deu início à Construtora Zagonel, no porão do próprio lar. Eram seus primeiros passos no empreendedorismo, que ocasionariam, nas décadas seguintes, a criação de outras cinco empresas: Loteadora Zagonel, Construtora Lajeado em Porto Alegre, Indústria de Esquadrias Zagonel, Zagonel Empreendimentos e Construtora e Construtora e Incorporadora no Mato Grosso do Sul. “Tudo que fiz foi pensando nos filhos”, declara ele, que é formado técnico em Contabilidade e chegou a cursar mais da metade do curso de Economia. Os filhos, aos poucos, tomam a dianteira dos negócios. Os mais jovens, Diego (22) e Joni (25), atuam somente nas férias; Giovane (30) fixou residência em Mato Grosso do Sul para dirigir a empresa da região Centro-Oeste; e Jean (23) é o diretor da Indústria de Esquadrias. A nova geração garante que não pretende virar as costas para os conhecimentos do pai, mas sim seguir a linha de atuação de sucesso. “Não estou pronto para assumir sozinho. Tenho muito a aprender com meu pai”, avalia Jean. O que não significa falta de planejamento inovador. “Tenho planos de diversificar o mix de produtos, aumentar a área de atuação e o foco no setor comercial”, adianta.
Irmãos orgânicos
A pouca idade não esconde a intenção de dois jovens de dar continuidade aos negócios do pai, Ito Lanius. Desde crianças, Fernando (25) e Rodolfo (22) acompanhavam a movimentação na empresa da família, a Folhito. O trabalho de transformar lixo em lucro, na época inovador, era observado de perto pelos filhos. O cheiro característico de esterco, matéria-prima para a fábrica, não era um empecilho para os pequenos. “A gente se acostuma”, brinca Rodolfo. A indústria de adubos orgânicos cresceu, assim como os passos dos guris. Hoje Fernando cuida da logística e do comercial, enquanto Rodolfo tem nas mãos a responsabilidade sobre a produção e finanças. Ambos estão nos semestres finais do curso de Administração e já mostraram que a participação na empresa não está restrita aos laços de parentesco. “Conseguimos aplicar na prática o que estudamos em sala de aula. Um exemplo é o incremento de outras matérias orgânicas no composto, o que garantiu um aumento, em qualidade, de mais de 30%”, avalia. Antes, o adubo só utilizava resíduos dos aviários, e agora a fórmula tem até casca de ovos de galinha, sugestão da academia trazida pelos irmãos. O resultado é um produto final com mais da metade em matéria orgânica.
Hoje a rotina do pai dentro da empresa mudou, e ele entra em cena como consultor dos filhos. “Há decisões em que a palavra final é dele”, explica. A mudança é fácil de compreender ao considerar a carreira política. Ito é presidente da Câmara de Vereadores de Lajeado, e as novas ocupações o afastaram da convivência da Folhito. Sem contar que os filhos tinham a intenção de gerenciar os negócios da família.
Mas as boas novas não param por aí. Com os restos são comercializadas mais de 35 mil toneladas de adubo orgânico. A empresa conseguiu aumentar o preço da tonelada em mais de 140% ao melhorar a qualidade do composto com as inovações dos filhos.
O crescimento é tanto que impulsionou uma mudança de endereço. Em breve, a Folhito deixará Lajeado e rumará para as proximidades da praça de pedágio, em Fazenda Vilanova. As obras deverão ser iniciadas ainda no primeiro semestre de 2010.