Orgânicos enfrentam dificuldades logísticas e falta de informação
A busca por saudabilidade e sustentabilidade entre os consumidores brasileiros gera mudanças ainda lentas, mas crescentes, no setor de agronegócios. Muitos pequenos produtores já resgatam processos de cultivo primitivos, abolindo os agrotóxicos do processo de cultivo, mas o país não está próximo a mercados como o dos Estados Unidos, que já conta com um supermercado só de alimentos naturais e orgânicos – o “Whole Food” –, mas deve registrar crescimento de 35% este ano, de acordo com o Projeto Organics Brasil do Instituto de Promoção e Desenvolvimento (IPD). O segmento esbarra em uma série de obstáculos para caminhar ainda mais rapidamente.
Juntos, os produtores de orgânicos devem obter um faturamento de R$ 2 bilhões este ano. Esses são números promissores para a modalidade, mas ainda representam uma fatia mínima do total da agropecuária nacional.
A previsão da produção das lavouras e da pecuária em 2014 é de R$ 440,56 bilhões, de acordo com dados do governo federal. Apesar dos passos lentos, o segmento já provoca uma mudança filosófica no consumidor, no momento de sua decisão de compra.
O principal desafio para o setor ainda é a falta de informação de grande parte da população. Os itens, em sua maioria, têm maior aceitação entre as pessoas com idade a partir de 40 anos, pertencentes às classes A e B. “Do lado do consumidor sentimos uma carência de informação sobre onde comprar ingredientes ou refeições orgânicas.
Muita gente ainda não compreendeu as vantagens para o organismo e nem para a sustentabilidade”, diz Fernando Souza, Organizador do Projeto Passaporte Verde da PNUMA, em entrevista ao Mundo do Marketing durante a feira Green Rio.
Turismo e educação orgânica
Os produtos considerados orgânicos ainda carregam estigmas como o de serem menos atrativos visualmente, inacessíveis, conectados a um discurso técnico e, o principal deles, o de serem muito mais caros do que os seus equivalentes regulares. “Para mudar a visão do consumidor é indispensável a educação. Ela precisa abolir as linguagens técnicas, tem que ser lúdica e divertida. É necessário mostrar os custos que não são imediatos, ou seja, os efeitos à saúde”, aponta Fernando Souza.
O Projeto Passaporte verde tem exatamente este foco. A ideia é aproveitar os eventos esportivos que acontecerão no Brasil para promover o país como um dos destinos da gastronomia orgânica. Na prática, a intenção é incentivar que os restaurantes insiram em suas descrições na internet informações sobre seus ingredientes, destacando o uso de itens livres de agrotóxico. “Os restaurantes que adotam orgânicos em sua cozinha podem apresentar isso como um diferencial. Esses estabelecimentos mostrariam que são lugares atrativos, não apenas pelo ambiente bonito ou por utilizarem talheres de prata, mas também porque as receitas são orgânicas”, comenta Fernando Souza.
A iniciativa conta com uma caderneta que é distribuída nos aeroportos e traz, além de informações sobre restaurantes, sugestões de ecoturismo. Quem viajar para assistir aos jogos do mundial terá indicações para visitar fazendas e lojas familiares dedicadas à venda de produtos sem agrotóxicos, como geleias e compotas. A ideia, gerida pela PNUMA e pelo Ministério do Turismo, foca não apenas nos turistas estrangeiros, mas também nos brasileiros que irão para outros estados no período.
Prêmio por incentivos
O projeto conta ainda com uma plataforma digital, que premia os consumidores cada vez que incentivarem a produção local. “É uma forma divertida de introduzir o orgânico na vida das pessoas. Ao tirar uma foto em um restaurante cadastrado e publicar na sua rede social com a hashtag do projeto, o internauta recebe um voucher que pode conter descontos ou brindes em estabelecimentos locais”, diz o organizador do projeto Passaporte Verde.
O conhecimento também é uma peça indispensável para o consumidor na hora de identificar a procedência dos produtos orgânicos que escolhe no ponto de venda, para não levar gato por lebre. Para isso, os produtores buscam certificações reconhecidas por órgãos como o Ministério da Agricultura e Pecuária. Um deles é o Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica (SisOrg), que garante que a semente utilizada tem origem orgânica, além de estabelecer normas para trabalhadores, manuseio da terra, processos de cultivo e colheita.
Este é um dos principais pré-requisitos para quem deseja se estabelecer no mercado de produtos orgânicos. Os critérios de certificação acabam impedindo que alguns produtos, por mais que adotem métodos sustentáveis em sua produção, sejam incluídos nesse grupo. “Um dos principais desafios ainda é obter a certificação. O Sítio do Moinho tem o SisOrg e é certificado pelo IBD. Contudo, muitos itens que importamos enfrentam barreiras para serem aceitos como orgânicos no Brasil”, diz a Adriana Bassu, Gerente Comercial do Sítio do Moinho, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Organização em associação facilita logística
Para se adequar e conquistar as certificações, os produtores se organizam em associações. Essas entidades reúnem vários polos de produção sob um único representante para se apropriarem de leis de incentivo para obter espaços em centros de distribuição e verbas para a compra de veículos e maquinário.
Um desses grupos é a Abio, que reúne produtores da região serrana do Rio de Janeiro. Os associados já disponibilizam seus produtos em redes como Walmart e Zona Sul. “Um produtor ajuda o outro a perder manias que dificultam a certificação, como o uso de herbicidas. Consequentemente, melhoramos a produção. Agora o novo desafio é nos unirmos com outras associações para estabelecer um setor orgânico no Ceasa”, comenta Markus Stephan Wolfjdunkell Budzynkz, Engenheiro Florestal e sócio da Abio, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Pequenos produtores e grandes empresas
Antigamente, os orgânicos eram exclusividade de agricultores com estruturas pequenas e apresentavam aparência diferente dos vegetais tradicionais. Os produtos eram visivelmente menores, com cascas mais sujas, além de apresentarem furinhos que funcionavam quase como um atestado de má qualidade. Atualmente, os selos de certificação se somam à tradição conquistada pelos agricultores.
“Hoje, praticamente não tem como distinguir visualmente uma cenoura orgânica de uma regular. A diferença está no cultivo. Os nomes dos produtores também passam a ser reconhecidos como sinônimo de qualidade”, diz Renato Agostini, Biólogo, Produtor no Sítio Solstício, em entrevista ao Mundo do Marketing.
Ainda são os pequenos produtores que compõem a maioria do mercado de orgânicos nacional. Muitos se baseiam na agricultura familiar, enquanto outros são empregadores e adotam práticas sustentáveis que incluem o repasse da renda para todos os envolvidos no processo. As gôndolas de itens sem agrotóxico de grandes redes de supermercados e hortifrutis dão uma amostra deste cenário, pois são coloridas pelos selos de sítios e fazendas que buscam um lugar na mesa do consumidor.
O cenário atual conta ainda com produtos especiais dentro de marcas consagradas, como o café Pilão, que possui uma versão orgânica. Outro exemplo é a Taeq, marca do Grupo Pão de Açúcar que conta com produtos como cereais, frutas e verduras produzidos sem agrotóxicos. Essas marcas nascidas dentro de grandes empresas impõem desafios diários aos pequenos em aspectos como logística e comunicação e saem na frente na busca pelo consumidor.
Desafios da rentabilização
Quanto mais enxutas forem as estruturas, maiores serão as dificuldades de logística. Gilmar Carino é o dono da Fazenda Boa Fé, que conta com um sistema de produção familiar de queijo, e presidente da AproRio. Ele é o responsável por telefonar para os clientes e dirigir o carro das entregas em sua empresa.
Outros 22 produtores familiares representados por Gilmar na associação também enfrentam a mesma realidade. “Se a logística não for bem feita pode comprometer e muito o rendimento. Eu espero ter uma rota satisfatória de pedidos para sair”, conta Gilmar Carino, dono da Fazenda Boa Fé e Presidente da AproRio.
A logística também é um desafio para a marca Korin, que ficou conhecida pela criação de frangos sem antibióticos e promotores de crescimento. A empresa teve sua rentabilidade comprometida pelos custos de logística e, agora, investe em itens de mercearia para aumentar o valor agregado de suas entregas. A linha conta com arroz, café, macarrão e planeja expandir para itens como hambúrguer, patê, shampoo e condicionador até o final do ano.
“O transporte ainda é uma grande dificuldade por ser muito caro. Reduzimos a entrega que acontecia três vezes por semana para duas vezes”, diz Denilson Pires, Representante Nacional da Korin, em entrevista ao Mundo do Marketing.
A comunicação é entrave tanto para que novos comerciantes incluam os produtos no seu mix, quanto para a adesão de consumidores finais. A falta de recursos para uma divulgação mais efetiva torna o trabalho de aproximação ao consumidor final mais árduo para os pequenos, que continuam muito dependentes do boca-a-boca. O Sítio do Moinho conhece esta realidade de perto. A marca produz, vende e importa orgânicos há 20 anos.
Para o empreendimento, a comunicação tem função educativa junto ao consumidor. A produção que começou pequena e já conta com vegetais, pães e biscoitos, além de itens importados como a calda de Agave, que funciona como substituto do açúcar refinado. A marca possui ainda uma loja própria no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro, e se prepara para a abertura da segunda unidade, na Barra da Tijuca.
A empresa acredita que os produtos e a entrega de qualidade são a melhor forma de comunicação “Não adianta adotar um discurso e ser outra coisa na prática. O diferencial é a seriedade e a verdade que o produtor imprime. O consumidor chega ao ponto de venda e procura pelo que conhece como sinônimo de qualidade”, avalia Adriana Bassu.